Foto: arquivo pessoal do autor
"Um poema surge no caos ambiente, no alvoroço do cotidiano e ocupações mundanas, do poeta que desce na feira livre, caminha pelas ruas do boêmio bairro, cruza a cidade baixa e pedala até a orla do Guaíba..."
Gerson Nagel
Nosso entrevistado é Gerson
Nagel. Advogado, poeta e basqueteiro santa-cruzense, radicado em
Porto Alegre – RS, onde Gerson Nagel vive a cometer poemas. Antologias: Poesia Dá Trabalho (2008),
Histórias de Trabalho (2009) e Gente de Palavra (desde 2013). Livros: Extatua (2016), Prometo
não invejar as gargalhadas (2017), Tiro de Letras editora, da qual é
fundador. Organiza e edita Revista Escriba com uma gama de artistas. Concursos:
Poemas no Ônibus e no Trem (2016), menção honrosa Prêmio Lila Ripoll de Poesia,
2016 e 2018. Projeto audiovisual Ping Pong Poético (2020). Em 2021 participou
do podcast Sarau Livre. Possui estranho hábito de colecionar
marcadores de páginas e adora pedalar pela cidade.
Quando começou a escrever poesia? Fale
um pouco de seu início no mundo das letras e de sua trajetória.
A mãe me dizia que era lúdico e
criativo, desde cedo habilidoso para trabalhos manuais, o escolhido da turma para
desenhos, criar cartazes, mapas e maquetes para uma apresentação, além da vida
dedicada aos esportes. De certa forma, são os primeiros elementos formadores e
que me ajudariam a contar minhas próprias histórias. Aos 9 anos de idade
escrevi e também ilustrei meu primeiro livro (ainda guardado), baseado em
outras narrativas de infância. Carrego algo de meus ancestrais, herdado em
grande parte pela mãe, uma exímia contadora de histórias e, creio, resulta da
cultura alemã. De meu pai herdei o culto das letras, conhecimento pela leitura,
estudos e formação acadêmica, rígida até. Por outro lado, foi ele quem me
iniciou no universo das línguas. Lembro traduzirmos letras de músicas (não
havia Google e era tudo de ouvido), como em “We are the world”, de
combate à fome na África em 1985 e, o lirismo derramado de Jim Morrison em
todas aquelas canções dos “The doors”, o que me ajudou a ver poesia de
forma mais solta e interessante. Contava com uma biblioteca em casa e centena
de livros rechearam o imaginário. Difícil precisar quando iniciei a escrever
poesia, mas na década de 90, no colégio em Santa Cruz do Sul, interior do
estado (RS), um professor de literatura e português foi marcante para minha
formação como poeta. Dele partiram os primeiros ensinamentos, encorajado a
participar de jograis, enfrentar a timidez, ler em público e escrever.
Recentemente, ao realizar pesquisas para uma das edições da Revista Escriba,
vim a compreendê-lo melhor e, pude entender que o professor Bellini (hoje
falecido) foi, em verdade, o poeta Gama Bell, a quem dediquei a 6ª edição da
Revista Escriba, em 2019. Após deixar o interior com a família para a capital,
em Porto Alegre me formei bacharel em Direito (PUC-RS) e complementei os
estudos frequentando ambientes culturais como: feira do livro, porto poesia,
sarau elétrico, a majestosa casa de cultura Mário Quintana e sua biblioteca,
além dos cinemas e teatros. Em 2009 participei da oficina literária do
professor e mestre em literatura Diego Petrarca, um mentor que me instigou a
publicar o primeiro livro de poesias. A partir daí sigo os passos de grandes
autores que passei a conhecer, sendo grato a todos eles pelo que aprendi.
Gerson, você também é editor de uma
revista literária. Fale um pouco sobre a revista Escriba.
A ideia era levantar a bandeira da Arte
e manter a chama da Poesia acesa. A Revista Escriba é cria da Teia, grupo
formado virtualmente e logo migrou para o Sarau Livre, do amigo Duda Fortuna e
vínhamos com a proposta de reunir uma gama de artistas e se apresentar nos
bares da capital. A Revista Escriba nasce em 2017 dessa necessidade de expor
nossos textos e, de ter um espaço de livre criação do grupo “fora do eixo” e
dos grandes círculos literários. Em paralelo ao meu livro de estreia na poesia,
o Prometo não invejar as gargalhadas, publicado por Tiro de Letras
editora, da qual sou também fundador, a Revista Escriba surge desses belos
encontros antes da pandemia, também inspirada na revista Gente de Palavra de
Renato de Mattos Motta. O projeto visa agasalhar essa turma de amigos/poetas
que rodam a cidade e não encontram oportunidade de publicar, mantendo-se viva
até hoje com muito esforço e recursos próprios. Recentemente lançamos a 10ª
edição, uma imersão a poesia feita na região dos Vales, interior deste estado.
É um enorme aprendizado receber trabalhos poéticos e ilustrações, formatar a
publicação conjunta e devolver com responsabilidade, contando com colaboração
nas questões gráficas de Annacris Andrades, a fotógrafa e fiel escudeira.
Como é seu processo criativo? Para escrever
um poema, por exemplo, você parte de uma palavra? De uma imagem? De uma
vivência? De acontecimentos?
Possuo exaustiva labuta diária como
advogado, prazos a cumprir, rigor formal nas petições, sendo que no tempo livre
priorizo dar vazão aos pensamentos lá soterrados na rotina. É quando me arranjo
e despejo sentimentos na poesia que cometo. Um poema surge no caos ambiente, no
alvoroço do cotidiano e ocupações mundanas, do poeta que desce na feira livre,
caminha pelas ruas do boêmio bairro, cruza a cidade baixa e pedala até a orla
do Guaíba (que reinaugura ciclovia e demais espaços de recreação). Essas
andanças inspiram a e ajudam a criar, ter “insights” para próxima
edição da Revista Escriba, dando cordas ao silêncio até retornar ao lar.
Escrever é pôr-se meio de lado, olhar em oblíquo, criar uma perspectiva
própria, sobretudo quando se está incomodado no mundo em que vive. Pode parecer
perturbador, mas reviso cada termo, palavra, linha ou verso inúmeras vezes,
raramente escrevo algo pronto e acabado, embora sinta é o que o público mais
gosta. Tento me despir desse rigor excessivo e formal do Direito, não engessar
meu texto e projetar versos livres, sem métrica definida, voltada à melodia e
ritmo, mais aprazível aos que leem. Espero o leitor tenha a noção do quanto
trabalhei o verso, me dediquei, como tantos autores talentosos e maiores
certamente fizeram e, que compõem esse rico universo literário brasileiro.
Como você enxerga o trabalho poético
neste momento de quarentena?
Momento difícil. Encerrados nos lares à
espera de uma vacina, a Arte deve transformar, escancarar a janela d’alma,
trazer alento diante de tantas vidas perdidas e outras sem perspectivas. “Morreram?
Quem disse, se vivos estão! Não morre a semente lançada na terra. Os frutos
virão.” (...), já escrevia a poeta gaúcha Lila Ripoll do século
passado. A pandemia trouxe enorme desafio aos artistas, tendo de aprender novas
linguagens, ferramentas, diferentes ambientes, formas de vender a arte. A
Revista Escriba no formato digital proporciona essa interação com novatos e
autores consagrados, da Argentina e do centro do país, DF, MG, RJ, SP, PR, SC,
RS e mais remotos lugares do mundo. Não vejo como retornar ao status antes
da pandemia, fechar os olhos para o futuro. As novidades digitais estão aí e
nos apropriamos das ferramentas, como outrora os antigos com papel e pena
tinteiro, a revolução de próprio punho, em mimeógrafo ou, à máquina de
escrever. A figura do poeta enclausurado, à meia luz e janelas semicerradas já
é bom tomar distância.
Fale sobre seus projetos para o segundo
semestre 2021.
Idealizo um audiobook com
leitura em dupla e intercalada de poemas, que dialogam entre si, a partir de
aplicativo de mensagens, projeto insipiente ainda. Pretendo lançar o próximo
livro de poesias, escrito durante a quarentena, a partir de uma seleção que
aguarda a sua hora e vez na editora. Desejo a vacinação pra todos e tocar com
saúde projetos e processos (de criação), uma nova edição da Revista Escriba.
Busco sempre novas parcerias e desafios. A partir daí persistir na escrita e
resistir ao mercado cada dia mais enxuto, restrito a grandes editoras,
encontrar meu lugar ao sol e, principalmente, acreditar que a Poesia salva.
Celebremos, pois.
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