Isabel Furini entrevista o poeta Otto Leopoldo Winck

 

     Fotos: Arquivo pessoal do entrevistado



Nosso entrevistado é o Otto Leopoldo Winck, Doutor e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), nasceu no Rio de Janeiro, capital, em 1967. Depois de uma passagem por Porto Alegre, radicou-se em Curitiba, em 1982. Em 2006 foi vencedor do prêmio da Academia de Letras da Bahia, com o romance Jaboc, publicado no ano seguinte pela editora Garamond. 


 “Na poesia, há dois Ottos. Um, de extração leminskiana: conciso, econômico, bastante cerebral. Outro, cujas raízes mergulham num certo simbolismo, com um viés mais imagístico, às vezes mais discursivo. Há muita briga entre esses dois poetas, um critica os poemas do outro. O problema é que ambos assinam com o mesmo nome. Do ponto de vista temático também há dois Ottos: um niilista, outro místico.”

    Otto Leopoldo Winck - Poeta 


Em 2017 lançou pela Editora Appris o ensaio Minha pátria é minha língua: identidade e sistema literário na Galiza, resultado de sua pesquisa de doutorado, e no ano seguinte publicou um volume de versos, Cosmogonias, pela Kotter Editorial. Seu romance Que fim levaram todas as flores saiu em 2019, numa parceria da Kotter com a Patuá. Neste ano, lançou Périplo, uma poema-livro, também pela Patuá. 

Leciona atualmente na PUCPR e no programa de pós-graduação stricto sensu da Uniandrade. Além disso há anos vem ministrando oficinas de escrita criativa.

 

Quando começou a escrever poesia? Fale um pouco de seu início no mundo das letras e de sua trajetória.

Comecei aos 15 anos, quando minha família se mudou para Curitiba. Escrevia em cadernos de espiral, que eu comprava justamente para essa finalidade. Não tenho mais esses cadernos, infelizmente. É claro que esses primeiros esboços de poemas não têm nenhum valor literário, como costuma acontecer se você não nasceu Rimbaud. Mas teria um valor afetivo. Aos 16 e 17 anos, lembro, meus poemas começaram a se tornar mais elaborados, por conta das leituras que eu fazia. Alguns desses poemas, sobretudo os escritos entre os 17 e 19 anos, fariam parte de meu primeiro livro, Flor de barro, lançado em 1987. Ainda que esse livro tenha muito poema “verde”, mal-amadurecido, há alguns de que eu gosto até hoje.

 

Como é o seu processo criativo?

Para a escrita de prosa, sobretudo romance, sou disciplinado, ou pelo menos tento ser. Agora, a poesia te deixa mais livre. Tem períodos em que eu chego a produzir de um a três poemas por dia. Por outro lado, tem anos em que praticamente não nasce um poema. Depois de certo tempo, eu recolho esses poemas, passo uma peneira, jogo muitos fora, reescrevo alguns, e tento estabelecer uma ordem, uma certa unidade, para um novo livro. Foi assim com Flor de barro e Cosmogonias. Todavia, para meu último livro de poesia, Périplo, lançado este ano, o processo foi diferente. Este livro, que contém um só poema, relativamente longo mas dividido em 24 pequenas seções, exigiu uma disciplina semelhante a de um romance. Escolhi o tema, o tom, a voz, a inflexão e me pus a trabalhar. Há também um outro livro, ainda inédito, em que o processo foi parecido: me propus a compor um determinado número de poemas com o mesmo tom, com uma unidade mais visível – e assim, depois de certo tempo, produzi cerca de 50 poemas. Mas, salvo essas exceções, a escrita da poesia, para mim, não exige essa disciplina e método todo.


 “O meu objetivo fundamental é que os meus livros encontrem os seus leitores, aqueles que serão tocados, abalados de certa forma por eles. Claro que a gente sonha com a “consagração”, vamos colocar entre aspas já que no sistema literário brasileiro, quando ela vem, é bastante fugaz, minguada e rarefeita."

Otto Leopoldo Winck - Poeta


Como você enxerga o trabalho poético neste momento de quarentena?

Mais do que nunca necessário. Poesia e arte, nas suas mais diversificadas formas e manifestações, sempre foram necessárias. Em momentos de crise, de ameaça, de medo, essa necessidade se torna ainda mais urgente.

 


Sente a influência de algum ou alguns poetas na sua obra?

Ah, são tantos! E nem sempre poetas no sentido estrito... Vou enumerar alguns, sem a pretensão de totalidade, mesmo porque a influência é algo aberto e permanente. Mas vamos lá, mais ou menos na ordem em que esses poetas me “atingiram”: Drummond, Bandeira, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, João Cabral, Ferreira Gullar, Hilda Hilst, Leminski, Adélia Prado, Torquato Neto, Caetano Veloso, Chico Buarque... E entre os de outras línguas: Baudelaire, Rimbaud, Paulo Valéry, T. S. Eliot, Maiakovski... A lista seria interminável porque tudo que leio, que vejo, que ouço, de uma maneira ou de outra, entra em mim e vira matéria de poesia.

 

Como analisa a sua própria obra? Fale de seu estilo e de sua voz poética.

Na poesia, há dois Ottos. Um, de extração leminskiana: conciso, econômico, bastante cerebral. Outro, cujas raízes mergulham num certo simbolismo, com um viés mais imagístico, às vezes mais discursivo. Há muita briga entre esses dois poetas, um critica os poemas do outro. O problema é que ambos assinam com o mesmo nome. Do ponto de vista temático também há dois Ottos: um niilista, outro místico. Mas nesse caso os dois se se dão bem e às vezes é difícil distinguir a produção de um da produção do outro.

 

Sobre os títulos de seus livros e poemas: Você escolhe alguma palavra do poema ou do livro, procura inspiração em outros textos ou os títulos surgem na sua cabeça?

Esta é a coisa mais difícil: batizar um livro. Geralmente é a última coisa que acontece comigo, quando o livro já está pronto, quase saindo do forno. Nos meus dois primeiros livros de poesia, no entanto, o título veio do nome de um dos poemas, um poema cujo título de certa forma traduzia o espírito do livro. Mas mesmo assim, entre tantos poemas, escolher um para emprestar o nome ao livro todo não é tarefa fácil. No caso de Périplo, foi diferente: este nome é uma espécie da chave de leitura do livro: uma travessia, uma navegação pelas horas de um dia qualquer muito longe das aventuras das velhas epopeias, mas não sem perigos – pois sabemos que viver, qualquer viver, é muito perigoso.

 

Otto, quando você lança um livro, qual é a sua expectativa? Espera alguma reação específica dos leitores?

Em primeiro lugar, vender mais do que meia dúzia de exemplares. Num país de poucos, raros leitores, já é um desafio. Mas o meu objetivo fundamental é que os meus livros encontrem os seus leitores, aqueles que serão tocados, abalados de certa forma por eles. Claro que a gente sonha com a “consagração”, vamos colocar entre aspas já que no sistema literário brasileiro, quando ela vem, é bastante fugaz, minguada e rarefeita: que não-leitor saberia citar o nome de um ou dois poetas vivos? Por outro lado, uma pessoa que não acompanha futebol sabe citar o nome de pelo menos dois ou três jogadores célebres.

 

Foto: João Debs

Pode citar os nomes de três poetas cujos trabalhos despertam a sua admiração?

Poetas vivos, que estão em atividade? Lá vai, sem hesitar muito: Marcelo Sandmann, Mar Becker, Antônio Carlos Secchin, Ademir Assunção... Ih, passei de três.

 

Nesta época muitas pessoas escrevem poemas. Você pensa que essa explosão poética elevará a poesia ou a banalizará?

Todo aumento quantitativo leva em algum momento a um salto qualitativo. Não temamos a multiplicação de poetas.

 

Fale de seus projetos para o segundo semestre 2021.

Devo lançar um romance no final deste ano ou começo do próximo. No mais, tenho dois livros de poesia na gaveta, esperando tempo propício para virem à luz. O ritmo da literatura, apesar de toda a tecnologia, ainda é um ritmo pré-moderno: leva-se mais ou menos o mesmo tempo para se ler (e escrever) um livro do que se levava na Idade Média. Não me refiro à leitura dinâmica, apressada, superficial, mas a leitura amorosa, paciente, atenta. É esta a leitura que o poema exige.

 


 

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