Isabel Furini entrevista o escritor, poeta e dramaturgo Daniel Rodas

 

Foto: arquivo pessoal do autor

          “Meu processo criativo é bem maluco, caótico. Escrevo em qualquer coisa, a qualquer hora e em qualquer lugar. É um impulso, uma fúria poética, uma coisa quase mediúnica. Não consigo explicar bem..."


Nosso entrevistado é Daniel Rodas (Teixeira-PB – 1999), escritor, poeta e dramaturgo. Estudante de Letras (UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros e Saturno (Editora Primata, 2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021), tem textos publicados em vários meios eletrônicos, a exemplo das revistas Mallarmargens, Ruído Manifesto, Toró e Subversa. Faz parte do grupo de teatro ExperIeus da cidade de Monteiro-PB, onde colabora como ator. Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir incontrolável da vida. Publica seus textos no blog: www.faroisnoturnos.blogspot.com.br


“Para mim escrever é muito mais que empilhar palavras; é, sobretudo, uma experiência de estar no mundo, de compreender e buscar enxergar a infinita (in)completude das coisas.” 

 


Quando começou a escrever poemas? Fale um pouco de seu início no mundo das letras e de sua trajetória.

A escrita sempre esteve presente na minha vida. Sons, imagens, texturas, sensações. Para mim escrever é muito mais que empilhar palavras; é, sobretudo, uma experiência de estar no mundo, de compreender e buscar enxergar a infinita (in)completude das coisas. É uma busca por captar o inefável e torná-lo concreto, palpável. Por mais que seja uma jornada quixotesca – para alguns, fantasiosa ou mesmo sem sentido – para mim é uma atitude de entrega, uma espécie de “chamado” ao qual não posso fugir, como diria Kafka. Nessa trajetória, iniciei rabiscando minhas inquietudes lá pelos oito anos; quando escrevia, numa grafia salteada e algo irreverente, histórias que desafiavam minha própria compreensão da realidade. Hoje, quando pego o caderninho onde destrinchava essas primeiras palavras, percebo que escrevia sobre o que via: meus pais, meu gato, meus medos, minhas inseguranças. Acho que ainda hoje faço isso, mas de uma forma bem mais apurada e consciente. Aos treze, comecei a escrever poesia e rabiscar meus primeiros contos. Nesse meio tempo, aprendi a ler de tudo: romances, contos, poesia, peças de teatro, livros didáticos, obras acadêmicas. Como filho único, aprendi a inventar mundos inteiros com a palma da imaginação. E foi a partir desses mundos que comecei a me (re)inventar, a alimentar minha  existência. Durante anos eu lia e escrevia compulsivamente, mas sempre engavetava meus escritos, mostrando-os a pouquíssimas pessoas. Só no último ano, depois de entrar pra faculdade e ter um verdadeiro “insight” produtivo – e sem dúvida um salto de qualidade – após o meu contato com o teatro, foi que criei coragem para publicar meus trabalhos. De início, criei um blog onde postei meus primeiros escritos; e logo fui recebendo ótimas críticas. Depois enviei textos para revistas de renome; alguns foram aceitos, outros recusados; mas o grande número de aceites e as respostas positivas dos leitores – dentre eles, escritores já veteranos – me impulsionou a continuar. Daí tive a oportunidade de publicar minha primeira obra poética, a plaquete Eros e Saturno, pela Editora Primata, dos poetas Luís Perdiz e Macaio. Foi maravilhoso ver uma obra minha publicada, lida, admirada. Nada a ver com ego: é uma questão de reconhecimento, de ter consciência do seu próprio tamanho e buscar aprimorar-se sempre. E mais recentemente estou publicando meu primeiro livro de poemas propriamente dito, a coletânea Umbuama, pela Editora Urutau, e que sairá ainda esse ano.


“A arte, para mim, é muito mais que um laboratório de temas. É a vivência, é o próprio fluxo da vida."


Como é o seu processo criativo?

Meu processo criativo é bem maluco, caótico. Escrevo em qualquer coisa, a qualquer hora e em qualquer lugar. É um impulso, uma fúria poética, uma coisa quase mediúnica. Não consigo explicar bem... É como se uma força se apoderasse de mim e me impelisse a escrever de forma compulsiva; como se houvesse uma necessidade de vida ou morte em escrever – e de certa forma, acho que há. Por isso estou sempre escrevendo. Por dia, escrevo em média três ou quatro textos, em sua maioria poemas, mas também contos. Tenho mais de cinco mil poemas no bloco de notas do meu celular; e mais algumas centenas no computador. Às vezes tenho uma dificuldade enorme para gerenciar isso... Salvo os arquivos no computador, na nuvem e em dois pendrives, mas às vezes não dou conta. Minha solução tem sido organizar em manuscritos; registrá-los para posteriormente buscar publicação. Tenho dezoito livros de poesia, dois romances e duas coletâneas de contos guardados – tudo isso inédito. Fora alguns cadernos de poesia aqui e ali. Meu plano é ir trabalhando esses manuscritos para ir publicando nos próximos anos. Mas aí no meio do caminho surgem mais ideias, mais textos... Queria conseguir parar um pouco e ir trabalhando o que já tenho, mas não é assim que funciona. O jeito é escrever, continuar escrevendo e, na medida do possível, publicando. Esse é o meu caminho. Sou grato por isso.


“No geral, tenho me tornado um poeta cada vez mais imagético, com foco na concisão, na força das imagens, ao estilo da poesia oriental."


Analise seu estilo, sua voz literária. Como Daniel leitor enxerga o Daniel poeta?

Meu estilo de escrita varia muito. Na prosa, tenho um estilo bem definido: conciso, lírico, repleto de “cortes” e inversões sintáticas, quase sempre na primeira pessoa. Algo experimental, mas não muito hermético. Escrevi muita prosa, mas tenho pouca coisa publicada. Há um conto meu publicado na revista Subversa, intitulado “Moisés”, que dá uma ideia desse meu estilo de prosa. Já na poesia, é diferente. Não tenho um estilo muito definido; escrevo nas formas mais variadas, desde versos mais tradicionais a poemas altamente experimentais; desde o estilo beat ao haicai; do verso drummondiano ao surrealismo. No geral, tenho me tornado um poeta cada vez mais imagético, com foco na concisão, na força das imagens, ao estilo da poesia oriental. E quanto aos temas, os mais marcantes, os que sempre retornam, são seis: tempo, memória, ancestralidade, sagrado, natureza, identidade. Busco explorar esses temas nas nuances mais diversas, nos aspectos sociais, políticos, filosóficos, espirituais... Mas a Arte, pra mim, é muito mais que um laboratório de temas. É a vivência, é o próprio fluxo da vida. É algo que aprendi com o teatro e que carrego comigo para a literatura: a completa fusão entre Arte e Vida.


  “Somos vítimas de nosso próprio ego, de nossos próprios desejos e ambições, tal como nos diz a filosofia budista, o taoísmo..."


Você está lançando o livro “Umbuama”. Fale um pouco desse trabalho.

Umbuama é uma obra muito importante para mim, não apenas por ser meu primeiro livro, mas pela forma como foi concebida. Escrevi o Umbuama – ou compus, a partir da reunião de vários poemas – em Março do ano passado, bem no início da pandemia. É uma obra que fala, sobretudo, sobre a natureza, sobre a relação do ser humano com a natureza. Só que entendo natureza aqui num sentido amplo, não apenas de natureza externa (as florestas, os elementos naturais), mas interna: de identidade, de busca pela essência humana. Umbuama, portanto, é como tudo o que escrevo: uma busca. É uma busca por reconectar o ser humano com a natureza, com o Todo, com o universo que nos cerca e que se faz presente dentro de nós. Daí a simbologia do título: Umbuama vem da junção de -umbu, de umbuzeiro, árvore nativa do sertão nordestino, e de -ama, que vem do verbo amar e da sílaba -ma, de mãe. Trata-se, portanto, da relação do ser humano com a mãe terra, com a Natureza, com a potência universal da qual fazemos parte – e que muitas vezes, por puro ego ou ingenuidade, buscamos “dominar”, “controlar”. Para mim, a natureza humana é um fino equilíbrio entra a razão e a emoção, o eu e o outro, o Todo e as partes; não numa perspectiva de divisão, mas de união, de completude. Só que essas partes vivem quase sempre em desequilíbrio... Somos vítimas de nosso próprio ego, de nossos próprios desejos e ambições, tal como nos diz a filosofia budista, o taoísmo... Tudo isso nos destrói, ao mesmo tempo em que corrompe o mundo à nossa volta. E os tempos em que vivemos são cada vez mais sombrios nesse sentido... Vemos o avanço da guerra, da fome, de uma lógica de mundo fascista, obtusa e arrogante... Mas a Natureza cobrará um preço alto por isso, e já está cobrando. Daí Umbuama ser uma obra também política, de resistência à barbárie, como a poesia deve ser.


Onde o livro pode ser adquirido? Qual é sua expectativa de vendas?

O livro está prestes a ser lançado. Acabamos de fechar a pré-venda, na qual fizemos, através de um financiamento coletivo, a venda de vários exemplares. Mas assim que a obra for lançada – a previsão é para este ano ainda – a mesma estará disponível no site da Editora Urutau e em outros sites de vendas. Além disso, quem quiser adquirir diretamente comigo, basta me procurar nas redes sociais; terei alguns exemplares para a venda. O objetivo, portanto, é divulgar bastante, fazer o livro circular o máximo possível.

 Sobre títulos de  poemas: Você escolhe alguma palavra do poema ou do livro, procura inspiração em outros textos ou os títulos surgem na sua cabeça?

Confesso que tenho certa dificuldade com títulos... Como escrevo de impulso, não planejo nada, nem título nem conteúdo, deixo que o poema me leve, que ele próprio me diga qual é o título. Meu processo criativo é ao estilo não-ação dos  taoístas: não interfiro, não “ajo”, deixo fluir... O mesmo acontece com o título. Em geral, escrevo o poema a partir de um primeiro verso que me surge. Depois puxo o segundo, o terceiro... Terminado o poema, penso no título. Às vezes gasto uns bons minutos procurando um título. Mas no final ele sempre aparece: é o Caminho da poesia.


Pode citar os nomes de três escritores cujos trabalhos despertam a sua admiração?

A pergunta mais difícil de todas... São tantos nomes que, a princípio, não sei escolher. Mas vou falar os que mais influenciam a minha escrita (tanto a prosa quanto a poesia): Dostoievski, Clarice Lispector e Ana Cristina César. Dostoievski pela genialidade de suas obras, que conheço a fundo desde a adolescência. Clarice e Ana C. pela força extraordinária, quase “mística” de seus textos... São três nomes que sempre se diluem na minha escrita. Também admiro imensamente Guimarães Rosa, Raduan Nassar, Maria Valéria Rezende, Conceição Evaristo, Anna Apolinário, Marília Arnaud, Maiakovski... Mas são só três nomes. Ok.

 

Você edita a revista literária “Sucuru”. Quando surgiu a ideia da revista? Ser editor é uma tarefa fácil ou complicada?

Há anos queria criar uma revista literária, mas não tinha apoio. Foi só com a pandemia – do mesmo jeito que ocorreu com os meus textos – que criei a coragem e “dei a cara a tapa”. A ideia surgiu do diálogo com alguns amigos, colegas, professores. Mas a princípio fui eu mesmo sozinho, “dando uma de doido”, como se diz aqui no Nordeste. Deu certo. Hoje tenho mais dois colaboradores fixos, além dos autores que enviam textos e um bom número de leitores fiéis. A Sucuru tem crescido muito nesse sentido. As dificuldades existem, claro, mas são pontuais e conseguimos contorná-las. Já sobre o nome – que todo mundo pergunta – vem da tribo indígena Sucuru, que habitava, até o século XVIII mais ou menos, a região da Serra do Teixeira e do Cariri paraibano, região onde nasci. Provavelmente tenho sangue sucuru em algum ponto da minha linhagem... Mas o que me inspirou foi mais do que uma homenagem: os sucurus foram uma das nações que resistiram o quanto puderam à invasão portuguesa, assim com outros povos da região... Resistiram até o fim, por isso foram “extintos”. É um exemplo de resistência. E é isso que buscamos com a Sucuru: resistência. Poética, política, ética. Resistência à mesma barbárie contra a qual os sucurus lutaram, mas com outra roupagem. A Sucuru é uma revista da resistência e da diversidade; do diálogo e da mistura; bem ao estilo antropofágico: digerir o que vem “de fora” para produzir um novo “dentro”. Sem preconceitos, sem limitações. A Arte é escancarar fronteiras.

 


Nesta época muitas pessoas escrevem contos, crônicas e poemas. Você pensa que essa explosão literária elevará a poesia ou a banalizará?

É um ponto importante. Não acredito em banalização; acredito que a poesia pertence ao povo, sempre pertenceu. O que vemos hoje é uma divulgação maior, uma maior oportunidade de publicação; e essa democratização da escrita, para mim, é bastante positiva. Entretanto, há alguns pontos que me desagradam. O principal deles é o fato de algumas pessoas que se intitulam como “poetas” – como se poeta fosse um título ou algo do tipo – não levarem a poesia a sério; verem a poesia como um mero passatempo, como exibicionismo de rede social. Isso, para mim, é um desserviço à Arte e um desrespeito àqueles que compreendem a poesia como algo muito mais profundo... A poesia pra mim é tudo, se tirarem a poesia da minha vida, eu morro. Sem exageros, morro. Por isso me incomoda quem a vê como uma “brincadeira”; especialmente aqueles que se acham “gênios” com qualquer coisa que escrevem; e não é bem assim. Poesia é trabalho duro, é incompletude. Estou a quilômetros de distância dos poetas que admiro, tenho consciência disso, mas muitos não têm... É preciso ter consciência daquilo que se escreve, ter autocrítica, só assim se chega a um bom resultado. Mas no geral, acredito que quanto mais poetas tivermos, quanto mais democratizada a poesia for, melhor. Vamos trazê-la para as escolas, para as ruas, que é o lugar dela. Não podemos limitar ninguém, nem os exibicionistas que mencionei. A Arte é de todos e para todos (e todas / e todes, sem exclusão). O tempo dirá quais permanecerão nesse caminho...

 

Fale de seus projetos para o segundo semestre de 2021.

Para esse segundo semestre, meus planos são de publicar o Umbuama e divulgá-lo o máximo possível, fazê-lo chegar aos leitores. Continuaremos publicando a Sucuru todos os meses e pretendo, talvez para o final do ano, fazer uma edição especial temática – algo ainda a definir. No teatro – minha outra paixão artística – pretendo continuar os trabalhos junto ao grupo  ExperIeus (grupo de teatro da cidade de Monteiro-PB, coordenado pela professora e atriz Cristiane Agnes, do qual faço parte deste 2017) com pelo menos um novo espetáculo, talvez ainda no formato virtual. Outros projetos, o tempo dirá. Sigamos.



 

 

 

 

 

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