Geraldo Magela: o adeus ao sacerdote da poesia

 

Documentário “Magela o Poeta”, dirigido por Almir Correia - reprodução


Por Willy Schumann*

 

Geraldo Magela, o escritor mineiro que conquistou espaço na literatura paranaense, nos deixou aos 66 anos. Grande parte de sua vida se dedicou a sua verve literária

 


           Nascido em 1956, em Guaraciama, interior de Minas Gerais, filho da professora, folclorista e poetisa Maria Lisbela Cardoso e do boiadeiro José Gonçalves Cardoso, Geraldo Magela teve uma infância com vínculo afetivo familiar bem estruturado. Na sua adolescência - em fase puberal - período de mudanças físicas, psicológicas e sociais, seu coração bateu mais forte ao conhecer uma donzela que o encantou pela sua formosura. Foi naquele momento que descobriu a literatura como a forma mais sublime de expressar seus sentimentos diante da beleza e das vicissitudes da vida. Na madrugada de terça-feira (29), esse mesmo coração, já enfraquecido, o levou serenamente para outra dimensão.

Como no livro “On the Road” de Jack Kerouac, em 1971, saiu de sua terra natal em busca do desconhecido. Aportou em Curitiba, onde trabalhou pesado num armazém de secos e molhados no bairro Boqueirão, o que lhe rendia míseros trocados que mal dava para sobreviver.

Numa fase bukowskiana, em 1973, entrou para a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - Correios, onde trabalhou como carteiro.

Ingressou na Força Aérea Brasileira - FAB, em 1975 e se encantou com o universo da aviação. Começou a ler Antoine de Saint-Exupéry, autor da obra “Correio Sul - Vôo Noturno”, que versa sobre as fraquezas, abandonos e as insuficiências humanas. O aviador escritor Richard Bach era outro autor de destaque que mexia com seu imaginário. Bach havia lançado recentemente “Fernão Capelo Gaivota”, um best-seller instantâneo que conta a história de uma gaivota mediana, que vivia os seus dias disputando as sobras de peixe deixadas pelos barcos pesqueiros perto da costa, mas que tinha dentro de si o despertar de um sonho de liberdade.

Ao deixar a caserna, alçou voos mais altos, só que desta vez na literatura, onde chamou a atenção pelo seu talento em utilizar as palavras, tendo a irreverência e a inversão sintática como principais fontes de criações poéticas.  

Magela deixa um legado na literatura, teatro e cinema. Suas intervenções e performances literárias marcaram para sempre o cenário cultural da capital paranaense.

No início dos anos 80, como co-fundador da Associação Cultural Afro-brasileira, uma de suas primeiras obras: "Os Calombos dos Quilombos", defendeu fervorosamente o movimento negro. Na seqüência vieram; “Se Metamorfose - Poemas Concretos”, Os Mamilos de Vênus - Poemas Eróticos”, “O Rebu do Urubu e o Legado do Leão”, dentre outros.

Três de seus textos foram para os palcos teatrais da cidade; “Welcome to Curitiba - Capital do Freezer”, “Vale Roxo” e “Cadeira de Balanço”.

Ainda nos anos 80, no cinema, a convite do ator e cineasta Chico Terrah, participou do filme curta-metragem “A Canção do Exílio” e posteriormente interpretou o escritor e dramaturgo paulista Oswald de Andrade, no longa-metragem “Revolução dos Brasis” do escritor e cineasta Altenir Silva.

No documentário “Ervilha da Fantasia”, dirigido por Werner Schumann, Magela interpretou alguns dos poemas do seu contemporâneo Paulo Leminski.

Em 2014, o documentário “Magela o Poeta”, dirigido por Almir Correia, traçou um perfil biográfico do artista.

Em 2015 participou do filme curta-metragem “Lulu a Louca”, dirigido pelo cineasta documentarista Estevan Silveira, que foi inspirado num conto enigmático do escritor Dalton Trevisan.

De alma generosa, sempre se preocupou com o próximo e fazia o possível para amenizar as dores e misérias de quem cruzava o seu caminho. 

Em recente entrevista para o portal de notícias Paraná Imprensa, a poetisa e escritora Isabel Furini perguntou-lhe sobre o seu processo criativo, ao qual ele respondeu: “Meu processo de criação parte de um pensamento, uma leitura, uma intertextualidade. Escrevo na balburdia do dia, na calada da noite, no caos da fantasia… fico à espreita da palavra que me espera de maneira suspeita e discreta. O poema estará sempre aceso nesse sacerdócio. Estará no cio do silêncio, nos ossos do ofício de ser apenas poeta.”

Em tempo: Sugiro que a “Feira do Poeta” passe a se chamar “Feira do Poeta Geraldo Magela”. Uma justa homenagem.

 

W. Schumann é cineasta, jornalista e psicanalista*

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